Biografia
Helena Pereira da Silva Meirelles (Bataguassu, Mato Grosso do Sul, 1924 - Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 2005). Compositora, cantora e violeira. Aprende a tocar viola com seu tio Leôncio, em festas promovidas por seu avô paterno. Foge de casa adolescente, para tocar viola, uma vez que, para os familiares, tocar instrumento é uma atividade masculina. Casa-se pela primeira vez aos 17 anos e, depois do segundo casamento, aos 21, perde contato com a família por mais de 30 anos. Neste período, continua a tocar viola, principalmente polcas, chamamés, fandangos e outros ritmos mato-grossenses e a participar de festas e bailes em locais afastados do interior do Mato Grosso do Sul, na região do Pantanal.
Na década de 1970, reencontra sua família e muda-se para Santo André, onde passa a residir com o marido e alguns dos filhos. Realiza pequenas apresentações na casa da irmã e reúne outros violeiros. Incentivada por um sobrinho, Helena grava algumas de suas músicas em um pequeno estúdio e envia-as em fitas K7 para rádios e gravadoras. É convidada por Inezita Barroso (1925-2015) para uma apresentação em seu programa Mutirão, exibido pela Rádio da Universidade de São Paulo (USP). Participa, posteriormente, do programa Viola, minha Viola, da TV Cultura, também apresentado por Inezita.
O sucesso e o reconhecimento vêm depois de seu sobrinho enviar algumas fitas para a revista norte-americana Guitar Player, dedicada a instrumentos populares de corda. A revista escolhe-a como instrumentista revelação de 1993, colocando sua palheta ao lado de nomes como o dos ingleses Eric Clapton (1945) e Jimmy Page (1944) e dos norte-americanos B.B King (1925-2015) e Carlos Santana (1947). Em 1994, lança, pelo selo Eldorado, seu primeiro CD, intitulado Helena Meirelles, com destaque para dois chamamés compostos por ela, “Fiquei Sozinha” e “Quatro Horas da Madrugada”, e outras músicas de domínio público, como “Araponga” e “Chalana”, sucessos de Mário Zan (1920-2006), além de histórias e causos de sua vida, nas faixas finais do CD. Em 1996, lança Flor da Guavira, com músicas instrumentais de sua autoria e algumas canções folclóricas mato-grossenses-do-sul. No ano seguinte, lança mais um CD, também pela Eldorado, intitulado Raiz Pantaneira, com treze composições suas, e participação de Sérgio Reis (1940) na canção “Guiomar”, de Haroldo Lobo (1910-1965) e Wilson Batista (1913-1968). Em 1998, apresenta-se na EXPO Mercosul em Canela, Rio Grande do Sul, e em diversas unidades do Sesc pelo Brasil. Em 2002, lança seu quarto e último CD, Helena Meirelles ao Vivo, gravado em Campo Grande, com destaque para “Flor Pantaneira”, de sua autoria, e participação de Zezinho Nantes, na gaita. Em 2004, é lançado o documentário Helena Meirelles a Dama da Viola, com direção de Francisco de Paula (1962) e trilha-sonora da própria Helena. Ainda neste ano, participa do CD Os Bambas da Viola, da gravadora Kuarup, ao lado de Chico Lobo (1964), Roberto Corrêa (1957), Heraldo do Monte (1935), Almir Sater (1956) e Renato Andrade (1932-2005). Helena Meirelles morre vítima de complicações pulmonares em Campo Grande, no ano de 2005, aos 81 anos de idade. Em 2006, é lançado o documentário Dona Helena em sua homenagem, com direção de Dainara Toffoli.
Análise
Helena Meirelles é uma instrumentista da viola caipira. Sua carreira profissional começa com quase 70 anos, após ter sido listada pela revista norte-americana Guitar Player como uma das 100 melhores instrumentistas de 1993. A publicação rende-lhe a oportunidade de gravar discos, de apresentar-se em diversos palcos e tornar a música mato-grossense-do-sul mais conhecida em todo o país. Sua identidade musical é construída com a música sertaneja, os ritmos folclóricos do Mato Grosso do Sul e influências da música paraguaia.
Os principais gêneros compostos e interpretados por Helena Meirelles são a polca paraguaia e suas derivações, o chamamé e o rasqueado, todos de influência paraguaia e argentina. A polca paraguaia é uma fusão de ritmos indígenas guaranis, remanescentes da colonização, com a dança de salão europeia do século XIX. O gênero é difundido no inicio do século passado na região do pantanal brasileiro. É tocada nos estados do Mato Grosso e de São Paulo, próximo à fronteira. O termo chamamé é criado na década 1930 pela gravadora RCA Victor, de Buenos Aires. Chamamé designa um gênero originado da polca paraguaia com compasso binário composto sobre uma base ternária e acompanhamento de acordeom, na região de Corrientes no norte da Argentina.
Difunde-se no Paraguai e, posteriormente, no Mato Grosso por paraguaios que vêm trabalhar em fazendas brasileiras durante o ciclo da erva mate e, também, na pecuária local, trazendo seus discos e LPs de chamamé. Um dos primeiros músicos brasileiros a incorporar o ritmo e popularizá-lo é o acordeonista Zé Corrêa. A denominação rasqueado é outra variação da polca paraguaia e deve-se a forma de puxar todas as cordas ao mesmo tempo, com as costas dos dedos, rasqueando a viola. Como ela, Nhô Pai (1912-1988), Mário Zan, Raul Torres (1906-1970) e Capitão Furtado (1907-1979) incorporaram esses ritmos adaptando-os para a música sertaneja brasileira.
Como uma típica habitante da região rural, Helena Meireles expressa em sua obra a atmosfera sonora de seu cotidiano, o som dos pássaros, dos animais e da natureza, a exemplo das composições “Xote Bem-te-vi” (1996), “O Passo do Tico-Tico” (1996), “Flor de Guavira” (1996), “Flor de Jasmim” (1994), “Araponga” (1994). Em seus quatro CD’s autorais grava cerca de 35 músicas de sua autoria, todas com solos de viola e repertório musical pantaneiro.
O instrumento utilizado para as gravações e apresentações de Helena Meirelles é um tipo de viola dinâmica, fabricada pela Del Vecchio. Apesar da influência paraguaia, essa viola, conhecida por seu timbre metálico e anasalado, também é utilizada por repentistas e cantadores do Nordeste. Diferencia-se da viola caipira utilizada no sudeste e centro-oeste do Brasil pela construção, pois possui um disco de metal no centro do bojo, dentro do instrumento. Quando a corda é soa, a vibração é transmitida a um círculo de madeira assentado sob o disco de metal que vibra e emite o som.
A técnica de Meirelles é distinta da da viola caipira, pois usa afinação diferente, inspirada em violeiros paraguaios das primeiras décadas do século XX (evocada como paraguaçú, três cordas ou rio abaixo). Prefere o uso horizontal do instrumento e as variações rítmicas de palhetadas. Segundo a própria violeira, ela afina seu instrumento: “mais ou menos na paraguaçu, na oitavada e na direita, do jeito que a paraguaiada e o meu tio tocavam”1. Sua afinação, de baixo para cima na viola é Mi, no primeiro par de cordas, Dó sustenido no segundo, Lá no terceiro, Dó sustenido no quarto e Lá no quinto par. Meirelles usa palhetas feitas por ela mesma, de chifre de boi e adaptadas a sua maneira de tocar viola, com muitos solos, que contribui para que alcance grande velocidade, tocando mais de cem notas por minuto. A afinação, somada a sua forma de tocar, priorizando os solos é original, com poucos seguidores capazes de executá-la. Dois violeiros influenciados pela técnica sonora de Helena Meirelles são Rainer Miranda e Milton Araújo que também utilizam a viola dinâmica.
Por Cláudia Boëchat
Acordei com vontade de ouvir a violeira Helena Meirelles. Infelizmente, ela já foi para o “andar de cima”. Morreu em 2005, com 81 anos. Uma mulher incrível, uma viola inesquecível. Nasceu em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul e aprendeu a tocar viola na Fazenda Jararaca, ouvindo o avô, o tio e outros peões tocarem. Aos 9 anos já era genial com o instrumento. A menina tirava sons de cordas feitas com as linhas que afanava dos carreteis de sua mãe. Conviveu com índios caiapós. Foi parteira e teve seus 11 filhos, de três casamentos, sem ajuda. Foi também lavadeira e benzedeira. Tocou sua viola em inúmeros bordéis e nos bares da vida. Mas teve também reconhecimento internacional. A revista Guitar Player a incluiu entre os 100 melhores do mundo. A danada entrou num pôster da revista ao lado de gente como Jimi Hendrix, Eric Clapton, Keith Richards e B.B. King. Também teve sua história contada em filme, no longa Helena Meirelles, a Dama da Viola.