No passado, as construções ainda não impediam a vista do céu. O cenário ainda apontava para a calmaria de um tempo em que a segurança urbana e o trânsito não povoavam as preocupações dos habitantes da mesma forma como acontece hoje.Jardins, ruas de terra e maior interação entre vizinhos eram parte do cotidiano de uma época que não existe mais. Ruas com mais árvores nas calçadas davam aquele ar bucólico, com crianças brincando tranquilas em frente as suas residências, vizinhos conversando na porta ou encostados nos baixos muros de suas casas eram cenas comuns de se ver.
Em lugar de portões enormes dos mais diferentes tipos, havia muretas baixas onde crianças e adultos se sentavam para observar o movimento, tornando-se uma espécie de bancos como nas praças.
Hoje toda essa calmaria e tranquilidade do passado, existe apenas na memória dos mais saudosistas. Os muros baixos ou as pequenas grades deram lugar as muralhas, transformando os aconchegantes lares em fortalezas frias. Tudo isso com a justificativa de que a segurança é mais importante. O fato é que transformar a lógica do modo de morar não resolve o problema da violência nas ruas. As estratégias de roubos, assaltos e furtos também se adaptam. Uma das técnicas que vem sendo utilizadas por criminosos hoje em dia, por exemplo, é clonar ou roubar controles remotos de alarmes e portões automáticos, o que lhes permite entrar e sair de residências, sem alarde e, incoerentemente, protegidos por muros que camuflam o crime.
A verdade é que os muros empobreceram a paisagem, as relações entre vizinhos e a socialização de muitas pessoas e, como estamos vendo, não resolveram o problema da segurança, apenas extinguiram a convivência e as prosas de fim de tarde, além de suprimirem a beleza das ruas acolhedoras e humanizadas, dando lugar aos enormes paredões.
Os muros altos impedem que a vizinhança flagre a ação de invasores, os trechos de ruas dominados por muros criam uma monotonia paisagística e um vazio urbano que podem estimular a ação de crimes.
A casa onde cresci e morei por muitos anos, tinha um muro de no máximo um metro e meio de altura, a porta da sala era muito próxima do portão e da calçada, as janelas não tinham grades e na varanda existia uma pequena e baixa mureta tipo “guarda corpo”. Todos os dias ao entardecer a mureta ao redor da árvore na calçada se transformava em uma espécie de banco onde a vizinhança se reunia para partilhar os acontecimentos do dia e ver o movimento da rua. Quando escurecia sentávamos na varanda por muitas horas, era um período de confraternização entre a família. Todos gostavam de estar ali reunidos. Não existiam celulares nem mesmo computadores portáteis que hoje isolam as pessoas em um mundo individualista. A simplicidade do momento e a segurança eram características em evidência.
Durante minhas caminhadas na cidade, ou até mesmo andando de carro, costumo observar as fachadas, os muros e as calçadas. Encantam-me muros baixos, grades decorativas, ladrilhos nas calçadas e as arquiteturas antigas, ricas em detalhes e identidade. Não sou contra a modernização e tendências, porém acredito que os pormenores de antigamente eram mais encantadores que as contemporâneas construções de hoje, que muitas vezes mais parecem transformar a vida em um cárcere privado.
Lamento pelos que já nascem nas selvas de pedras das cidades, lamento pelos que hoje não podem mais sentar na calçada ou dormir de janela aberta. Eu vivi tudo isso! Construí pontes de amizades com vizinhos que já duram mais de 40 anos, com a ausência de muros físicos ou sentimentais. Afinal, muro nos separa, e a ponte nos une. Muros nos distanciam, e as pontes nos aproximam. Joseph F. Newton uma vez disse: “As pessoas são solitárias porque constroem muros ao invés de pontes”.
Até a próxima!
Wantuyr Tartari